Nós não vamos pagar nada?

por tomazthiago

ENTREVISTA / CHRIS ANDERSON 

Por Sérgio Dávila, de Washington em 1/9/2009

Chris Anderson, editor da revista de tecnologia e novas tendências Wired e um dos pensadores da internet, é o promotor de dois conceitos muito caros a esse meio. O primeiro é a “teoria da cauda longa“, estratégia de negócio segundo a qual a meta é vender poucas unidades de muitos e variados itens, o que substituiria o popular modelo dos best-sellers. 

O segundo é o que ele chama de freeconomics ou a economia das coisas de graça, alicerçada no fato de que o custo de armazenamento e transmissão de conteúdo digital baixa cada vez mais. De onde vem o dinheiro? Do conceito freemium, junção das palavras free e premium: a maioria consome de graça (“free”), bancada por uma minoria que paga por uma versão de mais qualidade (“premium”). 

Ambos os conceitos foram desenvolvidos em artigos, viraram palestras e livros. O segundo surgiu recentemente em livro nos EUA e chegou neste mês ao Brasil. É Free – O Futuro dos Preços (Free – The Future of a Radical Price, no original). Nele, e na entrevista que deu à Folha por telefone, Anderson defende que, sim, diferentemente do que popularizou o economista Milton Friedman (1912-2006), existe almoço de graça – desde que a sobremesa seja bem paga por alguém. 

Nos EUA, a versão eletrônica do livro ficou disponível gratuitamente por alguns dias. Agora é vendida por US$ 26,99 [R$ 50], em papel, e US$ 9,99, versão eletrônica – o audiobook em inglês continua de graça e pode ser baixado do site do autor

No Brasil, só papel e só a dinheiro: R$ 59,90 por 88 páginas. A editora Elsevier já vendeu a primeira tiragem, de 10 mil cópias, prepara a segunda e colocou os três primeiros capítulos de graça aqui

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Se a informação quer ser livre/de graça, por que tenho de pagar R$ 59,90 para ler seu livro? 

Chris Anderson – Não tem. Poderia ir ao site e baixar o audiobook gratuitamente. 

Sim, mas quem quer ler em português, caso da maioria dos leitores brasileiros, tem de desembolsar. 

C.A. – Cada região tem um editor diferente, cada um tem um enfoque diferente para isso, uma estratégia própria. Nos EUA, era de graça. No Reino Unido, na Bélgica. A única parte que eu controlo é o audiobook. Eu encorajei todos os editores a dar o livro, alguns aceitaram, outros não. 

Por que um editor pagaria milhares de dólares pelos direitos de seu livro, outro tanto para traduzir, mais ainda para imprimir e distribuir e finalmente daria de graça aos leitores brasileiros? Faz sentido economicamente? 

C.A. – O livro trata disso extensivamente, mas sim, eu acredito que, se feita corretamente, essa ação vai levar a mais vendas do livro, não a menos. Você não precisa dar a versão física, pode dar a digital. E, se você acredita que a versão física é a premium, que as pessoas ainda preferem ler em papel por todas as razões óbvias, para manter, fazer anotações, ler na praia, então não precisa temer dar a versão digital de graça, pois será uma forma de marketing, de amostra que vai promover a física. 

Em seu livro, o sr. defende que sim, há almoço de graça, no sentido de que há toda uma economia florescendo baseada em dar os produtos, e não vender. Como isso funciona no caso específico da indústria de conteúdo? 

C.A. – Em primeiro lugar, não há nada de novo aí. O que está mudando é o conceito, que evoluiu de um truque de mercado para um modelo econômico. Essa mudança é impulsionada pela indústria tecnológica. A ideia de conteúdo livre tem cem anos: rádio é de graça, TV aberta é gratuita. O problema é que agora anúncios não são mais suficientes para sustentar o modelo. Daí o que chamo de freemium, onde você dá a maior parte de seu conteúdo de graça, mas reserva parte dele, geralmente a melhor parte, para os que pagam. 

O sr. cita Brasil e China como a nova fronteira da freeconomics e a forte presença de pirataria nos dois países como algo positivo. Como a pirataria pode ser benéfica para uma economia? 

C.A. – Pirataria é uma palavra mal compreendida. Nem todo o conteúdo distribuído dessa maneira é pirata. Alguns são, outros são “pirateados”, entre aspas, por vontade dos autores, que valorizam a distribuição gratuita. Um dos exemplos que dou é o tecnobrega brasileiro. Não é pirataria, porque os autores autorizam os camelôs a reproduzir e vender os CDs sem lhes pagar nada. 

Meu ponto é: conteúdo digital pode ser copiado e distribuído a um custo cada vez mais próximo de zero e, de uma maneira ou de outra, vai ser distribuído. Usar os mesmos canais de distribuição dos piratas será uma decisão de cada artista. Mas o fato é que essas são as forças motoras da atual economia, são intrínsecas à internet e à era digital e impossíveis de serem contidas. A pirataria não é boa para a economia, mas a distribuição gratuita sim, e os piratas são os primeiros a usá-la. 

O sr. diz ter problemas com as palavras “mídia”, “jornalismo” e “noticiário”. Por quê? 

C.A. – Eu sei o que “mídia profissional”, “jornalismo profissional” e “noticiário profissional” significam. Mas como chamar quando isso é produzido por amadores? A maior parte do que eu leio hoje em dia está on-line e não vem desses canais. Está no Facebook, no MySpace, no Twitter, em blogs. Leio sobre amigos, família, hobbies. O que é isso? Eu não acho que a palavra “jornalismo” descreve o que está acontecendo. Acho que precisamos de novas palavras. 

Ao mesmo tempo uma breve visita a sua conta no Twitter revela que o sr. segue o New York Times, a revista New Yorker e várias outras contas da chamada mídia tradicional. Além disso, seu trabalho principal vem de editar uma revista de papel, a Wired. Como o sr. concilia isso? 

C.A. – Nós vivemos num mundo de hipermídia, onde não temos mais o monopólio sobre a atenção do leitor. Acho que há um papel para a mídia tradicional, mas há também um papel crescente para todo o resto. Nós vivemos em ambos os mundos. Você não vive em ambos os mundos? 

Mas o sr. é o evangelista desse novo mundo e edita uma revista do velho mundo. Como concilia os dois? 

C.A. – Nós usamos o modelo freemium. O que está na wired.com é de graça, faturamos um pouco com a publicidade online, e isso levanta assinaturas para a revista, que é o nosso premium. 

Se o sr. me dá o conteúdo de graça online, por que eu pagarei por ele na revista? 

C.A. – Porque não é o mesmo conteúdo, as palavras podem ser as mesmas, mas a revista é mais que palavras, é um pacote visual, com fotos, arte e um conceito de edição. De graça, você não tem o pacote. 

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Conta dividida 

Se a informação quer ser livre, como defende boa parte da blogosfera e o modelo sugerido por Chris Anderson em seu livro parece concordar, os jornalistas que a produzem querem ser pagos. Ou, no dizer de Bill Keller, editor-executivo do New York Times, informação de qualidade custa caro. 

“Da última vez em que eu estive em Bagdá, não vi uma sucursal do Huffington Post, do Google ou do Drudge Report, porque nenhum deles está lá”, disse ele em entrevista recente ao Daily Show, do comediante Jon Stewart, citando os agregadores de notícias mais populares dos EUA – com exceção do Post, nenhum tem equipe própria de jornalismo. 

O Times mantém um escritório de uma dezena de jornalistas no Iraque, uma operação de custo anual estimado entre US$ 2 milhões e US$ 3 milhões. “Não estão lá porque é caro, porque é perigoso”, continuou Keller. “É muito mais fácil ficar em casa e pegar carona no trabalho feito pelos outros.” 

Lideradas pelo New York Times e pela News Corporation, de Rupert Murdoch, que publica o Wall Street Journal, entre outros, as principais empresas jornalísticas dos EUA estão prestes a acabar com a “carona” – ou pelo menos a coibir, rachando a conta. 

Desde o fim do semestre passado, representantes desses e de outros títulos, como o Washington Post e o USA Today, vêm se reunindo em busca de um modelo de negócios para seu conteúdo online que substitua o adotado pela maioria no começo dos anos 90, que se provaria insustentável. 

Naquele momento, quando a internet começava a se popularizar, e diferentemente de no Brasil, as grandes empresas decidiram liberar suas versões online, cobrando apenas pelo produto impresso. Na maior parte dos casos, tudo o que está no papel pode ser encontrado de graça no site. Esperava-se que a publicidade migrasse de meios, o que não aconteceu. 

Uma das exceções a esse modelo inicial foi o Wall Street Journal. O diário nunca abriu o site e tem hoje uma base de assinantes online de pouco mais de um milhão de pessoas, que pagam US$ 103,48 por ano (R$ 196,61). Fala-se que o New York Times poderia começar a cobrar US$ 5 (R$ 9,50) por mês pelo acesso de seu site, hoje totalmente aberto e gratuito, ou pelo menos pelo acesso a partes de seu site, que seriam fechadas –o tal modelo freemium que Anderson defende. 

Por ser o mais prestigioso, de interesse geral e nacional, o Times funcionaria como o pioneiro que causaria um efeito dominó a ser seguido pelo resto da indústria local. Outro movimento aguardado é o de Murdoch, que vem dando sinais de que pode implantar o modelo do wsj.com em todos os outros jornais de seu grupo. 

A ideia não desagrada Chris Anderson. “Dependendo do que me oferecessem, eu pagaria US$ 5 por mês para ter acesso on-line ao New York Times”, disse. “Mas não acho que eles vão fechar tudo.” (Sérgio Dávila)